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Editorial de site científico comenta a relação entre cientistas e as manifestações no Egito

O professor Nagib Nassar (*), da Universidade de Brasília (UnB) traduziu o artigo de David Dickson, editor chefe do Science Development, intitulado Egypt's turmoil: a wake-up call for Arab science (Turbulência do Egito: um chamado para o despertar da ciência árabe)

A revolução Egípcia levou aos cientistas de vários países muitos desafios e muitas perguntas. A maior delas é como fica ciência num regime autoritário e qual a importância da democracia para o seu florescimento científico?

A revolução egípcia trouxe aos cientistas muitos desafios e muitas perguntas. A mais importante delas é como fica ciência num regime autoritário e qual a importância da democracia para florescimento científico num regime autoritário?

Os 30 anos de repressão do regime autoritário egípcio tiveram seu impacto sobre vida de todos os cidadãos inclusive dos cientistas. Aos cientistas e às instituições foi imposto um conceito de produção de conhecimento superficial e falso, e muitas vezes prejudicial. Este variou desde a insuficiência de recurso, para o financiamento da pesquisa, à produção científica em si, moldada para servir ao ditador e ao seu regime. A liberdade de pensamento foi contida e se chocou com as políticas científicas do regime. As limitações foram impostas à expressão de opinião, à imprensa e à comunicação.

O modelo de ciência e de sociedade criado serviu apenas para a corrupção do ditador, de sua família e de seus conselheiros. Na ausência de um país democrático, os recursos foram mal utilizados, destruibuidos ao próprio quadro que serviu ao regime. Os jovens manifestantes desempregados foram um simples produto da política científica errônea e corrupta, e dos políticos, que apenas visavam em se beneficiar do ditador, de sua família e de seus conselheiros.

Neste regime repressivo, os cientistas deixaram o país à procura de um lugar pacífico e digno, onde pudessem decidir sobre o seu futuro. Aqueles que escolheram viver no Egito foram proibidos de criar organizações liberais, que lhes permitissem atuar como cidadãos livres, de mentes livres.

Os três Egípcios ganhadores do prêmio Nobel na última década 2000s são testemunhas de tudo isso. Todos viveram fora do Egito ou geraram os seus trabalhos no período pré-Mubarak. Nagib Mahfouz produziu sua trilogia, e suas principais e notáveis obras, durante o período democrático anteriormente vivido pelo Egito. El Baradei e Zoel foram premiados pelos seus feitos realizados fora do Egito.

A qualidade da produção científica no Egito nos últimos 30 anos atingiu um índice não compatível com a sua história científica na era democrática dos anos anteriores. Isso pode ser confirmado pela citação e em análises a bancos de dados. A evolução da produção científica em si, durante o regime de repressão é quase nula.

As instituições científicas no Egito nos últimos trinta anos foram conduzidas por pessoas sem qualquer mérito científico. A única qualificação e critério para suas seleções eram a obediência, lealdade e fidelidade para o ditador, sem qualquer habilidade em planejamento ou que tivessem uma visão científica para o desenvolvimento em longo prazo. Elas eram qualificadas somente para atender aos requisitos do ditador, produzindo estatísticas falsas que ninguém podia contestar, como, por exemplo, sobre o aumento de áreas de cultivo, onde na realidade elas estavam diminuindo, mas elas aparecem nos relatórios como se tivessem aumentado!

Ainda nos relatórios anuais sobre a produtividade de culturas tradicionais como o algodão e o arroz, que caem drasticamente, elas aparecem como tendo aumentado! Isso foi aplicado a cada campo e a cada atividade científica pelo Ministério da Ciência, da Agricultura e particularmente no Departamento Nacional de pesquisa agropecuária. A mesma política se estende a todos os demais ramos, até a Biblioteca de Alexandria!

A lealdade ao ditador foi o único mérito. O que é dito sobre a dicotomia entre a democracia e a ciência é claramente vista na crise do Egito e em todo o mundo árabe. Assim, muitos cientistas qualificados imigraram do Egito, porque não agüentaram o regime autocrático, levando consigo habilidades que o Egito necessita para construir seus quadros e instituições. Eles não suportaram viver sob um regime que os proíbe de liberdade de pensamento, deixando-os incapazes de decidir sobre o seu destino ou até mesmo de viver em paz.

(*) Nagib Nassar é professor Emérito e pesquisador Senior da UnB. Seus trabalhos sobre melhoramento de mandioca permitiram a diminuição da fome na África, e o mesmo poderá ocorrer no Brasil.http://www.idrc.ca/en/ev-158433-201-1-DO_TOPIC.html

A versão inglesa foi publicada no Scidev no link: www.scidev.net.

http://www.scidev.net/en/editorials/egypt-s-turmoil-a-wake-up-call-for-arab-science-1.html

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