Pular para o conteúdo principal

Aprovado Estatuto da Igualdade Racial

Depois de sete anos de tramitação no Congresso, projeto segue agora para a sanção de Lula. Texto suprime previsão de cotas para negros na educação, serviço público e privado e nos partidos políticos

Alvo de discussões acirradas nos sete anos de tramitação, o projeto de lei que institui no país o Estatuto da Igualdade Racial foi aprovado ontem no Senado, em votação simbólica, e entrará em vigor logo que for sancionado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

O substitutivo final negociado pelo governo e pelo relator Demóstenes Torres (DEM-GO) suprimiu do texto a previsão de cotas para negros na educação, serviço público e privado e nos partidos políticos. Deixou de fora ainda o ponto que previa a adoção de política pública de saúde exclusiva para a população negra.

Representantes da comunidade negra chegaram a ensaiar um protesto pela manhã durante a aprovação da proposta na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). O tom contrário deu lugar à receptividade quando ouviram as explicações do autor do projeto, senador Paulo Paim (PT-RS), do ex-ministro da Igualdade Racial, deputado Edson Santos (PT-RJ), e do atual ministro da pasta, Elói Ferreira de Araujo. Segundo eles, embora não seja o ideal, o estatuto retrata 90% dos anseios dos movimentos negros do país.

O ministro e o deputado Edson Santos asseguram que, ao definir como política pública a implementação de programas de ações afirmativas, o estatuto dará condições ao governo de regulamentar por decreto a adoção de cotas ou outro tipo de bonificação para a população negra.

"Fazer um cavalo de batalha em cima das cotas, quando a ação afirmativa está assegurada, é pouco inteligente", afirmou o deputado. "A proposta foi negociada com todo o governo, até porque não teria sentido adotar medidas sem esse tipo de apoio", destacou.
O ministro da Igualdade Racial avalia que a aprovação do estatuto "foi uma vitória da Nação brasileira" porque reflete "o melhor entendimento possível em torno do assunto". O senador Paulo Paim disse que "não vai jogar a toalha com a aprovação do estatuto" e que continuará defendendo os direitos dos negros.

Durante a negociação do projeto, o relator Demóstenes Torres manteve posição de não acatar medidas que, em sua opinião, resultariam no acirramento dos conflitos relacionados à cor da pele.

O senador citou como exemplo a adoção de cotas no serviço público ou privado, mediante a oferta de incentivos fiscais para empresas, o que, segundo ele, resultaria na demissão de trabalhadores brancos pobres para contratação de negros.

Nos casos não previstos na Constituição, Demóstenes trocou a menção de "raça" por etnia, "para combater a falsa ideia de que existe outra raça além da humana". Foi ainda contrário ao uso da expressão "fortalecer a identidade negra", por entender que não existe uma identidade paralela à identidade branca.

"O que existe é uma identidade brasileira. Apesar de existentes, o preconceito e a discriminação não serviram para impedir a formação de uma sociedade diversa e miscigenada, na qual os valores nacionais são vivenciados por negros e brancos".

'Comunidade negra não teve forças para aprovar texto melhor'

Dedicado, há três décadas, à defesa dos direitos dos negros na sociedade brasileira, frei David Raimundo dos Santos, da ONG Educafro, não se animou com a nova lei. Entende, apenas, que "a conjuntura de forças políticas que a comunidade negra reuniu não foi suficiente" para aprovar um texto melhor:

- O senhor gostou do estatuto?

Acho que o texto final, alterado pelo senador Demóstenes Torres, tem uma visão equivocada da sociedade brasileira. Vai até contra posições da Febraban, que no ano passado aprovou um plano de valorização e inclusão da comunidade negra do país. Imagino que nossos irmãos negros no Congresso, como o senador Paulo Paim e o deputado Elói Ferreira de Araújo, votaram com a faca no pescoço. Achando melhor ter um pássaro na mão do que 100 voando. Nem sempre isso funciona...

- Então o estatuto não lhe parece um progresso?

O Senado acordou ontem com três possibilidades. Votar o texto original, de 2004, votar o texto alterado pela Câmara em 2009 ou a versão do senador Demóstenes Torres, do DEM. No fim, era esse texto ou esperar mais 10, 20 anos...

- O que está errado no texto?

É ingenuidade achar que todos somos iguais. Ou que o despertar do povo negro é perigoso. Ora, a Educafro já conseguiu que várias faculdades adotassem cotas para negros. E em nenhuma houve conflito nenhum.

'Sanção de Lula cravará na história criação de um Estado racializado'

A professora de antropologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Yvonne Maggie, foi uma das signatárias do manifesto contrário à instituição do Estatuto da Igualdade Racial, ainda em 2006. "Se sancioná-lo, Lula estará cravando na história a criação de um Estado racializado", afirma:

- Como a sra. vê a aprovação do projeto?

O fato é que é um precedente inconstitucional. O nome do estatuto já traz nele o ovo da serpente. É o Estado estabelecer uma lei que contém em seu título a palavra racial. O presidente Lula, se sancionar esse estatuto, mesmo com todas as alterações, estará cravando para a história a criação de um Estado racializado.

- Que tipo de consequências a sra vê pela frente?

Quando o Estado criou a divisão do povo em raças ou etnias, as consequências foram sempre danosas, especialmente em países como o Brasil, que não têm uma tradição de identidade ou separações do ponto de vista racial ou étnico.

- O manifesto foi derrotado?

A nossa oposição a essa loucura foi importante para estabelecer o debate. Essas leis que estão sendo propostas teriam sido propostas teriam sido aprovadas sem discussão e sem nenhum tipo de modificação. O Supremo Tribunal Federal (STF) vai regular isso de alguma forma e espero sabedoria para considerar essas leis inconstitucionais.
(O Estado de SP, 17/6)

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Maias, astecas, incas e olmecas: quais são as diferenças?

Maias, astecas, incas e olmecas: quais são as diferenças? Por  Bruno Calzavara , em 6.11.2013 Escultura olmeca As civilizações olmeca, maia, inca e asteca são algumas das maiores civilizações antigas da história, e mesmo assim sabemos muito pouco sobre eles, em comparação com outras partes do mundo. Os olmecas, em especial, são frequentemente esquecidos por completo, enquanto o resto costuma ser aleatoriamente agrupado como se fizessem parte de um povo só – embora eles tenham sido grupos completamente distintos entre si. Maias, astecas, incas e olmecas: conheça as diferenças Em suma, os maias surgiram primeiro e se estabeleceram na região que hoje corresponde ao México moderno. Em seguida, vieram os olmecas, que também habitaram o México. Eles não construíram nenhuma grande cidade (talvez por isso tenham caído em relativo esquecimento), mas dominaram a região e formaram um povo próspero. Eles foram seguidos pelos incas, no Peru moderno e, finalmente, surgiram os astecas, que também...

FESTIVAL DE MÚSICA PARQUE SUCUPIRA

FESTIVAL DE MÚSICA PARQUE SUCUPIRA - A GRANDE FINAL É AMANHÃ!SÁBADO, 13 DE JUNHO DE 2009A partir das 19h, Estacionamento da UnB - Planaltina DF01 - Aroldo Moreira - "Paralelepípedo e outras proparoxítonas"02 - Diga How - "Quem lê, viaja"03 - Etno - "A mesma dor"04 - Kleuton e Karen - "Quando a peteca cair"05 - Malwe Djow - "Deus e o Diabo na Terra- Parte II06 - Martinha do Coco - "O Perfume Dela"07 - Máximo Mansur - "Concréticas"08 - Os Sambernéticos - "Meus Brasis"09 - Vytória Rudan - "Planador"10 - Zé do Pife e as Juvelinas - "Homenagem ao Mestre"COMPAREÇA! Traga a turma, assista ao vivo às apresentações finais e torça para a sua música favorita. ENTRADA GRATUITA!MAIS INFORMAÇÕES: http://festivalparquesucupira.blogspot.com/ O Festival de Música é realizado pela Rádio Comunitária Utopia FM de Planaltina-DF e ocorrerá na cidade.

Cientistas esperam regulamentação do uso de animais em pesquisas

Cientistas esperam regulamentação do uso de animais em pesquisas “Temos que defender os animais, sim. Mas temos que pensar na produção de vacinas, nas crianças que dependem das vacinas”, disse Marcelo Morales, da UFRJ, na 61ª Reunião Anual da SBPC Quase um ano depois da aprovação da lei que regulamenta a criação e o uso de animais em pesquisas, conhecida como Lei Arouca, pesquisadores da área aguardam a edição do decreto que vai dar efetividade ao texto.De acordo com o professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Marcelo Morales, o decreto, que está na Casa Civil, deve ser publicado nas próximas semanas.Os defensores das pesquisas com animais esperam que, com a edição do decreto, a sociedade tome conhecimento dos benefícios desse tipo de experiência e, para isso, vão investir pesado. Eles estão preparando uma campanha publicitária de R$ 800 mil para veiculação no cinema, no rádio e na televisão até o fim deste ano.“Os cientistas não podem ficar conhecidos como as pessoas ...