Impunidade também contra verde
Estudo mostra que 86% dos crimes ambientais na Amazônia Legal ficam sem punição Soraya Aggege escreve para “O Globo”:Nada menos que 86% dos crimes de desmatamento e de extração ilegal de madeira ou minério dentro das áreas legalmente protegidas da Amazônia Legal ficam impunes. É o que revela pesquisa inédita do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon).Os dados mostram que um criminoso ambiental tem apenas 14% de chances de sofrer punição ao fim do processo. E a pena pode ser substituída por doação de cestas básicas.Segundo o levantamento, um processo demora, em média, 5,5 anos, da investigação à sentença. Por causa da lentidão, principalmente nos inquéritos, que demoram até 4.206 dias, 15,5% dos processos acabam prescritos.Para que um crime ambiental seja reconhecido e as investigações iniciadas, a espera, em média, é de 74 dias. Na fase de investigação são, em média, 676 dias corridos.— Tem havido um esforço da Polícia Federal, da Justiça, do governo, mas levará anos para que essas medidas, como a informatização dos processos judiciais, tragam resultados. A única saída imediata é garantir uma vigilância constante nas áreas de proteção — avalia um dos autores do estudo, o pesquisador Paulo Barreto.Segundo o Imazon, há mapas disponíveis com todas as áreas de risco, inclusive estradas ilegais, o que viabilizaria ação constante de vigilância.— A solução é vigiar para proteger a floresta — diz Barreto.Os pesquisadores acompanharam 51 processos de crimes ambientais em áreas protegidas no Pará, percorrendo todas as instâncias, desde a fiscalização até as judiciais, para chegar às médias da Amazônia Legal. No total, 42% da Amazônia são áreas protegidas, metade delas indígenas e o restante, unidades de conservação.— Projetamos a situação para os outros estados da Amazônia Legal, e a situação é a mesma. Somente 14% de punição — afirma Barreto.Segundo o Imazon, a proteção passiva dessas áreas não é mais suficiente para que a lei seja cumprida. Nos últimos anos, o desmate se acelerou: só em 2008, 84% das áreas protegidas já estavam nas fronteiras da pecuária e do extrativismo da madeira, próximas a novas estradas.Entre 2000 e 2008 foram desmatados pelo menos 22.500km² em áreas protegidas.Segundo os advogados que participaram do levantamento, a impunidade começa por causa da demora na comunicação dos crimes pelos órgãos responsáveis, dificultando inclusive a coleta de provas do crime ambiental. Depois, quando o caso se transforma em inquérito e deveria ser investigado, espera nas filas de procedimentos. O Imazon afirma que a PF enfrenta uma enorme escassez de recursos na Amazônia.As fases de interrogatórios são as mais longas.— Quando finalmente chegam na Justiça Federal, como a Amazônia tem poucas varas federais, os juízes ficam na dependência de cartas precatórias para juízes estaduais — diz Barreto.Os advogados explicam na pesquisa que, em casos em que o crime ocorreu em área de proteção da União, já ocupada por posseiros, a Justiça fica em dúvida da competência, o que atrasa mais os processos.Advogados de defesa dos réus muitas vezes alegam que se trata de áreas privadas, o que impediria a ação da Justiça Federal.— A Justiça é lenta em todo o Brasil, mas na Amazônia ela é muito mais morosa — diz o pesquisador.Para fazer a pesquisa, foram coletados dados de processos iniciados entre 1997 e 2006, sobre crimes ocorridos desde 1991. Os pesquisadores entrevistaram membros do MPF, da Justiça e da PF. Alguns delegados federais explicaram que muitas vezes as operações na Amazônia se sobrepõem aos inquéritos em andamento. Muitas vezes, infratores “inventam” a participação de outras pessoas nos crimes para prolongar as investigações.Cesta básica em vez de replantioO Ministério Público diz que, além da falta de estrutura, há alta rotatividade de procuradores no interior. Na Justiça Federal, o congestionamento é notório: na primeira instância, entre junho de 2007 e março de 2009, os processos ambientais saltaram de 8.983 para 21.105. Destes, 70% eram da Amazônia Legal.Na segunda, os recursos cresceram 235% no período.O estudo mostra que, quando a pena chega a ser finalmente determinada, em muitos casos ela não é conectada ao dano ambiental, o que seria exigência da Lei de Crimes Ambientais (LCA). Penas alternativas, como doações de cestas básicas a entidades beneficentes, são aplicadas em vez da reparação do próprio dano, como o replantio da floresta.O motivo da desconexão, segundo a pesquisa, pode ser o desconhecimento do Ministério Público e do Judiciário sobre iniciativas de conservação.O ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, não foi encontrado na última sexta-feira para falar do assunto.Sua assessoria de imprensa indicou o presidente do Ibama, Roberto Messias, para comentar o caso, mas ele não foi localizado.(O Globo, 14/6)
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